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segunda-feira, setembro 04, 2006

A volta dos lacerdistas

Escrito por Miguel do Rosário

Eles sempre existiram, mas seguramente todas essas crises serviram para colocá-los novamente em evidência. Os indignados. Os éticos. Os desencantados com a política. Mês passado, após o encontro de Lula com intelectuais e artistas no Rio, um batalhão de repórteres atacaram os participantes da reunião com perguntas tipicamente lacerdistas.

- E aí Wagner Tiso, e a ética?
- E a ética, fala? Responde!
- Você continua apoiando um partido que cometeu tantos deslizes éticos?

A vontade que dá é responder algo como: quero mais é que a ética vá pra puta que pariu! Ou então essa: por que não pegam essa ética e enfiam naquele lugar?

Bem, o fato é que o lacerdismo voltou. O lacerdismo é o interesse sujo político travestido de indignação moral, associado à manipulação dos ingênuos de sempre, notadamente da classe média. Aliás, o termo lacerdismo é uma pérola, um verdadeiro tesouro literário. Essa palavra tem que ser melhor explicada no dicionário.

Acompanhei de perto, muito revoltado, a exploração que o Globo fez da frase do Wagner Tiso e de outros. Ficou absolutamente claro para mim que os repórteres do Globo armaram uma armadilha. Fizeram perguntas idiotas, agressivas, e colheram as respostas que queriam para virar manchetes e escândalo. Mais uma tentativa ridícula de botar fogo no paiol. Ora, é claro que os artistas não defendiam a falta de ética. Eles estavam dizendo que não estavam preocupados com "essa ética lacerdista", que só vê o rabo do macaco alheio.

O lacerdismo é uma teoria moral diabólica. Prega a santidade absoluta dos políticos, o que é a coisa mais impossível do mundo, tirante na Suíça. Ora, todo ser humano tem sua sombra. Mesmo os mais bonzinhos, fazem das suas. A mídia tem tentado, a todo custo, mostrar que Lula não é santo. Qualquer mínimo deslize de Lula vira manchete de jornal. Lembram do auge da crise? Se um sujeitinho qualquer desfilasse com um cartaz "Fora Lula" no Largo da Carioca, virava estrela do Jornal Nacional. No Carnaval de Recife, deram o maior destaque a um cara fantasiado de mensalão, e depois descobrimos - por fontes não globais - que o sujeito era um vereador do PFL...

Dois jornalistas marrons lançaram o livro Viagens com Lula, mostrando que o presidente, na intimidade, fala palavrões. Ó! Lula é mesmo um demônio. Fala palavrão. Os lacerdistas ficaram, naturalmente, indignados, além de excitados com a esperança de que a revelação causasse um rombo na popularidade de Lula. Coitados.

Conheço o lacerdismo de perto. Minha mãe (te amo mesmo assim, mãe) é lacerdista. No auge da crise, a gente conversava sobre uma conta de telefone perdida, que estava em nome do meu pai falecido. A conta era minha, mas como eu estava sem dinheiro e revoltado com a Telemar, sugeri a minha mãe que a gente simplesmente ignorasse aquela dívida. Ela reagiu com uma violência lacerdista impressionante, misturando as intrigas palacianas com minha tola leviandade pessoal, tratando-me como se eu fosse o próprio Delúbio Soares. Nossa relação ficou desgastada por algumas semanas. O lacerdismo da minha mãe, porém, é de família. Carlos Lacerda morava na Praia do Flamengo, perto do apartamento onde minha mãe residiu a vida inteira. Conta-se que Lacerda foi um excelente governador. Construiu escolas, fez túneis, investiu em rede de esgoto. Entretanto, foi o maior golpista da história moderna brasileira. Além de grande orador e jornalista político. Grandessíssimo canalha. Pensando bem, ele era uma espécie de síntese de todos esses colunistas tucanófilos de hoje: Jabor, Leitão, Merval, Azevedo.

O poder da linguagem é um troço perigosíssimo. Por isso esses grandes colunistas detêm tanto poder. Não tanto como eles achavam que tinham, é verdade, mas têm. Distorcem verdades, através da manipulação maquiavélica de informações. Todo dia vemos isso. Por exemplo, hoje saiu que o PIB brasileiro cresceu pifiamente nos últimos meses. Entretanto, não se deu destaque a um fator importantíssimo. O consumo das famílias cresceu 4%. Ora, se o consumo das famílias cresce 4% mesmo com um PIB baixo, imagine quanto crescerá quando o crescimento do PIB for maior? Os juros caíram ao menor patamar desde 1996, ou ainda menos (aliás, não falaram que era o menor em 30 anos?).

Esse Jeferson Perez... Sempre desconfiei que o sujeito era um mala, mas o respeitava em função de sua "aparência ética". Era o lacerdismo me envenenando sutilmente. Eis que agora o infeliz diz que, por desencanto com a política, vai abandonar a política em 2010! Ora pois pois, como diriam nossos antepassados à beira do Tejo. Abandonar em 2010! Com todo respeito à terceira idade, mas um velho daquele vir falar que vai largar a política em 2010! Penso que será grande coisa se continuar vivo até lá. Senti-me ofendido, todavia, com a declaração dele de que o Brasil vive uma podridão moral! Ora, o cara parece até missivista do Globo! Mais um lacerdista, meu Deus, a nos encher o saco! Um senador da República dizer uma coisa dessa do povo brasileiro! E por que não abandona agora? Tem que esperar mais 4 anos? E com que base ele diz essas coisas? Por que re-elegerão Lula? Ora pois pois, repito. Queria ele que elegessem o paspalhão do Cristóvão Buarque (do mesmo partido dele, PDT), que é boa gente e tudo, mas um tremendo dum bundão? Ah, desculpe, é bundão mas é ético! Tá certo. Agora quando o sujeito for operar o cérebro, não vai escolher o melhor cirurgião - porque o tal se divorciou da mulher, tão boazinha. Vai optar pelo pior médico, aquele bunda mole que sempre foi um exemplo de pessoa, apesar de ter matado (sem querer, é claro, pois é um cara muito ético) uns três ou quatro pacientes que passaram por suas mãos.

O exemplo não convence um lacerdista, eu sei. Lacerdistas acham que só eles é que são éticos.

Qualquer outra atitude, para eles, é falta de vergonha na cara. Aliás, para eles, a vergonha está na cara. Só na cara. Que importa se minha mulher recebeu 400 vestidos? Se o meu governo gastou milhões com acupuntura para professores na clínica do sócio do meu filho? Se o meu governo fez tráfico de influência para anunciar nas revistas que puxam meu saco, inclusive a falecida Primeira Leitura? O negócio é ter um bom rosto, o tipo do rosto que toda sogra sonha para marido da filha. Um rosto branco, de traços delicados, sobrenome estrangeiro, prefeito aos quinze anos, e apoiado por donos de jornais e empresários do Brasil inteiro.

Vem cá, por que não perguntaram aos artistas que saíaram do encontro com Alckmin se eles aprovam as falcatruas do PSDB-PFL? Ah não, claro que não. Como sempre, levantaram a bola para eles cortarem. Fizeram perguntas como: que achou do Tiso ter falado que não se importa com a ética?

Distorceram totalmente a frase de Tiso, uma simples frase descontextualizada, motivada por perguntas agressivas, e agora a usam como mote para páginas e páginas de debates. Mas o Tiso sabe se defender e já publicou um artigo muito bom no próprio Globo, embora insuficiente, a meu ver, para desagravar o dano moral que ele sofreu.

Ética é o tipo da coisa da qual não se fala. Não se fica arrotando ética por aí. Ética é uma virtude que se pratica em silêncio, bem longe dos holofotes da mídia e das eleições. Em caso de ataque, aí sim, então nós devemos responder: nós temos ética. Na maioria da vezes, é a única forma de defesa. Não significa muito para quem já nos prejulgou, mas vale muito para nós mesmos.
Vieram com aquele história de que o PT achava que tinha monopólio da ética no Brasil. Ei, quando o PT disse isso? Não creio que um milhão de filiados do PT fossem tão bobinhos a ponto de ter acreditado, algum dia, que o partido monopolizasse a ética no país. O PT é um partido político, não uma seita quaker. Tem ladrão no PT? Tem que ser punido, expulso do partido, preso. O que não pode é encontrar um ladrão ou dois no PT e daí vir com essa história de que o PT se dizia dono da ética.

Ética, para mim, é investir e aparelhar a Polícia Federal, e deixá-la trabalhar de forma independente. É nomear um cara independente para o Ministério Público. É fortalecer as instituições, de forma que o sistema se encarregue de limpar a máquina pública. Esse Alckmin é muito patético, não é a tôa que seu percentual de votos está acompanhando o risco Brasil. Vem falar em dólar no cuecão, como se houvesse a menor ligação entre o episódio (flagrado e preso pela PF, diga-se de passagem) protagonizado por um assessor de um político local e o presidente Lula. A própria PF já desvendou a questão dos dólares. Foi propina de um empresário, que queria benefícios de um governo estadual. Coisa normal. Anormal é o cara ter sido pego e o esquema desbaratado.

Bem, os lacerdistas voltaram. Felizmente, existe uma coisa chamada povo brasileiro que, para tristeza deles, não é composto apenas de analfabetos-nordestinos-beneficiados-pelo-bolsa-família, mas artistas, intelectuais, engenheiros, funcionários públicos, donas de casa, operários, sindicalistas, garçons e advogados. Um bando de gente porreta, com tutano suficiente para não se deixar engambelar por essa conversa mole dos tucanos, a la Janio Quadros, de que irão "varrer" a corrupção do país. Já vimos esse filme muitas vezes. Era uma chanchada das mais vagabundas, com final sempre triste.


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