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sexta-feira, junho 30, 2006

Entrevista: Arthur Poerner

Arthur Poerner, intelectual carioca, se filia ao PT para cerrar fileiras com Lula

Intelectual e militante histórico da esquerda brasileira, o jornalista e escritor Arthur José Poerner acaba de deixar o PDT – partido que ajudou a fundar ao lado de Leonel Brizola – para "cerrar fileiras" no projeto de reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Na sua nova batalha, Poerner, hoje com 66 anos, já tem data marcada para filiar-se ao PT. Será no dia 11 de julho, em um bar da Lapa, região central do Rio de Janeiro.


Insatisfeito com a linha política adotada pelo PDT, ele comunicou sua desfiliação no começo de junho, em carta enviada ao presidente nacional do partido, Carlos Lupi. Embora de caráter quase confidencial, a carta acabou tendo repercussão imediata, inclusive fora do Brasil. "Pela repercussão (...) eu vejo que tem muita gente pensando da mesma forma", disse ele em entrevista concedida nesta quinta-feira (29) ao Portal do PT.

Diz um trecho do documento: "O governo Lula, apesar dos defeitos, falhas e omissões que se lhe possam atribuir, não é o nosso inimigo; ele é, sim, o avanço nacional possível nas atuais conjunturas internas e externas. Não reelegê-lo significa, na prática, devolver o poder às elites que impedem a emancipação do nosso povo desde os tempos do escravagismo (...)".

Leia abaixo os principais trechos da entrevista e, logo em seguida, a íntegra da carta:

O que te levou a tomar a decisão de se sair do PDT neste momento, sendo você um militante histórico e até fundador do partido?
Aliás, eu não digo isso na carta, mas eu estou me filiando ao PT. Aceitei um convite do Carlos Minc (deputado estadual do PT do Rio de Janeiro) e da Florence Jacques, que é uma assessora do deputado aqui no Rio, porque, da mesma maneira como em 64, depois do golpe, eu ingressei no Partido Comunista Brasileiro, por achar que aquele era um caminho de resistência, eu acho agora que o caminho de avanço do Brasil, no momento, é o prosseguimento do governo Lula. Isso não só para o Brasil, como país, mas também para a América Latina. Eu acho que, com o governo Lula, nós iniciamos uma nova tentativa de integração latino-americana, sobretudo com os governos do (Nestor) Kirchnér, na Argentina, e do (Hugo) Chávez, na Venezuela, e que será interrompido se o Lula não for reeleito. E acho que qualquer voto diferente só vai dividir a esquerda, só vai propiciar talvez um pouquinho mais das remotas possibilidades dos tucanos nessa eleição.

Como você o fato de alguns partidos de esquerda, inclusive setores do PDT, do Psol e outros, se colocarem muitas vezes em posições que coincidem com os interesses da direita brasileira?
Eu acho surpreendente que certos partidos que se dizem de esquerda tenham embarcado nessa questão do "mensalão", nessa campanha moralista
... Devem ter ocorrido irregularidades, certamente, mas eles se deixaram arrastar por essa onda moralista, da mesma maneira como a esquerda se deixou levar em 1954 pelo chamado "mar de lama" contra o Getúlio (Vargas), sem considerar todo o resto. É lógico, o sistema brasileiro abre muitas brechas, a fiscalização é falha; em todos os partidos, todos os poderes da República, existem falhas que propiciam irregularidades. Mas a gente tem que ver o todo. É isso o que certos partidos de esquerda não estão vendo.
Eu estou achando admirável e muito correta, muito coerente, a posição do PCdoB. Eles estão tendo uma atitude coerente, porque estão vendo o todo, estão vendo o conjunto disso, estão vendo a distribuição mais justa de renda, estão vendo os projetos sociais, estão vendo também a política de integração latino-americana. Isso o PCdoB. Mas os outros estão inteiramente obnublados, muitas vezes até por ressentimento, eu acredito, a ponto de eles não lembrarem, de maneira nenhuma, as irregularidades muito mais graves que ocorreram nos oito anos do governo passado. Eles se fixam apenas nesse momento, eles não estão vendo o todo. Em outras palavras, como se diz, eles estão vendo a árvore e não estão vendo a floresta.

Há muitas comparações entre o período do golpe de 64 e o que acontece hoje. Existem mesmo coincidências ou a situação hoje é diferente?
Eu acho que, no momento, a comparação principal é essa de que você às vezes tem que tomar posições contra a corrente de pensamento que aparenta ser predominante. Em 64, logo depois do golpe, houve um esvaziamento do PCB, justamente por temor, por medo, por decepção de alguns em relação aos rumos que acabaram conduzindo ao golpe; muitos achavam que deveria ter havido uma reação armada, enfim. Então – eu era muito jovem, tinha 24 anos –, eu achei que o momento era de entrar no PCB e lutar ali dentro, no plano sobretudo cultural, que era uma área muito boa do PCB, para mudar a situação. E agora eu sinto a mesma coisa.
Quando tantas pessoas resolveram sair (do PT), pessoas de projeção, inclusive aqui no Rio, deputados vereadores... Então eu acho que esse é momento de entrar, para que o Lula faça um grande segundo mandato e avance nessas posições, naturalmente com correções. Eu não sou uma pessoa que admire essa política econômica, mas eu procuro ver o todo. Eu vejo como muito boa a política internacional, a política diplomática; eu vejo muito bem a parte social, avançando; eu acho que a reforma agrária deve ser feita mais aceleradamente; mas eu acho que você tem que lutar ali dentro para avançar, e apoiando o governo, porque inclusive não vejo nenhuma alternativa de esquerda. Não existe alternativa de esquerda no momento no Brasil.

Como você vê o governo Lula, da perspectiva da crítica que se faz, por parte da intelectualidade, de que o governo teria ficado aquém das expectativas? Como você lê esse tipo de crítica?
Eu leio da seguinte maneira. Eu acho que as expectativas num país tão desigual, num país tão desumanamente gerido até recentemente, as expectativas são muito grandes. As pessoas precisam de muita coisa, elas não podem esperar, entende? É o caso, por exemplo, da reforma agrária. Eu acho que deveria ser acelerado esse processo, porque seria muito importante que constasse da biografia dele que ele fosse o realizador, o concretizador da reforma agrária. Eu vejo as decepções muito nessa área. As pessoas esperavam demais. Eu leio às vezes textos que eu arquivei e vejo que as pessoas esperavam demais.
Li críticas recentes no Pasquim 21, de gente da maior categoria, e eles, seis, sete meses depois da posse do Lula, descendo o sarrafo. Esperavam que, até então, ele (Lula) já tivesse resolvido o problema da reforma agrária, do FMI e todo o resto. Eles não consideraram que essa situação toda, essa conjuntura toda, vem de séculos. Mudar isso não é assim também. Além de tudo isso, o Lula ainda pegou o país em situação imediata muito mal. Com recrudescimento da inflação, com uma crise de credibilidade internacional, fomentada justamente pela atual oposição, e teve de resolver muita coisa de imediato. Agora, a meu ver, ele vai ter condições de concretizar muitas daquelas expectativas geradas desde 89 e muito acirradas com a campanha vitoriosa de 2002. Agora ele terá mais quatro anos e é por isso que eu acho que tem que votar nele, dar uma segunda oportunidade. Ele é o primeiro presidente operário deste país, que sempre foi gerido pelas elites. Então a gente tem que cerrar fileiras com ele.

Leia a íntegra da carta enviada a Carlos Lupi, presidente nacional do PDT:

Rio de Janeiro, 2 de junho de 2006

Meu caro Lupi,

Embora valorize muito o seu esforço para enfrentar o desafio de suceder, na direção do PDT, a um dos maiores líderes políticos brasileiros de todos os tempos, o nosso inesquecível Leonel Brizola, não tenho podido concordar com os rumos trilhados, ultimamente, pelo partido de cujo documento inaugural, a Carta de Lisboa, tive a honra de ser signatário, em junho de 1979. Jamais esquecerei da reação de Brizola quando nos reencontramos naquela histórica reunião da resistência trabalhista interna com os exilados, na sede do Partido Socialista português: ao constatar que eu portava um crachá de observador, o substituiu, imediatamente, pelo seu, de delegado. Foi assim que eu, egresso do PCB em crise, dei os meus primeiros passos no então futuro PDT.

Não me arrependo desse passo nem dos subseqüentes, pois é inegável a grande contribuição do PDT para a democratização do país, sobretudo nos campos da educação popular básica e da integração à cidadania da maioria marginalizada. A urgência e a justeza dessas causas me conduziram, inclusive, à candidatura a deputado federal, em 1990. Pois elas representavam, para mim, a continuidade da luta que causou a suspensão dos meus direitos políticos por 10 anos, quando tinha 26 anos de idade, em 1966; a prisão, na redação do Correio da Manhã, em 1970; e o longo exílio.

Por tudo isso, não posso referendar o encaminhamento que vem sendo dado à participação pedetista na próxima eleição presidencial. O governo Lula, apesar dos defeitos, falhas e omissões que se lhe possam atribuir, não é o nosso inimigo; ele é, sim, o avanço nacional possível nas atuais conjunturas internas e externas. Não reelegê-lo significa, na prática, devolver o poder às elites que impedem a emancipação do nosso povo desde os tempos do escravagismo, agora travestidas de neoliberais, com suas privatizações e alienações das riquezas nacionais, suas políticas de concentração de renda, sua aversão aos pobres, sua submissão aos EUA e, daí, seu sistemático boicote às tentativas de integração latino-americana.

Depois da prodigalidade com que o governo passado tentou permitir a instalação de uma base de lançamento de foguete dos EUA e autorizou a presença dos serviços de inteligência desse país em nosso território, essa "minoria branca e perversa" a que se referiu o governador paulista Cláudio Lembo precisa voltar ao Planalto para conter o aprofundamento das relações do Brasil com a Argentina, a Venezuela e outros países do continente.

Não com a minha ajuda. Permiti-lo e até propiciá-lo, mediante a apresentação de candidaturas que só favorecerão as hostes reacionárias, é, a meu ver, um erro da esquerda, comparável, em sua gravidade, aos que ela cometeu em 1930, quando Prestes e os comunistas deixaram de participar da revolução modernizadora de Vargas, e em 1954, quando ela se deixou arrastar pelo "mar de lama" produzido para derrubar o governo democrático e nacionalista do maior estadista brasileiro.

Eu não tinha idade para partilhar aqueles equívocos, mas a tenho agora para não compartir o atual e não contribuir, assim, para que a primeira experiência de um homem do povo na presidência do meu país seja afogada pelas marolas alvoroçadas, hipocritamente, por falsos moralistas udenotucanos. Estou convencido de que a política – arte ou ciência – é uma atividade que deve ser regida pela razão, como Prestes o demonstrou em 1945, ao sair de nove anos de prisão defendendo Vargas, e Brizola, em 1989, apoiando Lula no segundo turno das eleições presidenciais.

São estas convicções e o meu profundo respeito pela coerência e pela disciplina partidária, meu caro Lupi, que justificam, neste momento, os meus pedidos de renúncia à honrosa posição de membro do Diretório Regional e de desfiliação do partido que foi parte da minha vida ao longo dos últimos 27 anos.

Com as saudações fraternais e socialistas do
Arthur José Poerner (Inscrição nº 642, em 10/11/1981)