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terça-feira, abril 04, 2006

Brasil mudou tabuleiro do comércio mundial, diz historiadora

A historiadora e mestra em Relações Internacionais Fátima Vianna Mello apresentou, hoje, os posicionamentos de alguns movimentos sociais sobre o modo como o governo Lula está conduzindo as relações comerciais com outros países. Foi durante a conferência sobre relações internacionais que o PT realiza até amanhã (2), em São Paulo. Ela é diretora da Fase (Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional) e secretária-executiva da Rebrip (Rede Brasileira pela Integração dos Povos). Ela apresentou as tradicionais peças do tabuleiro do comércio internacional e como a política externa do governo Lula alterou o jogo do comércio internacional.

Como representante de campanhas internacionais preocupadas com o “livre comércio”, Fátima disse que o objetivo dos movimentos sociais é parar com as livres negociações prejudiciais às maiorias, e pontuou a contribuição do governo Lula para isso. Fátima delineou como foi o processo de formação das decisões de política externa do governo Lula e apontou perspectivas para o futuro destas relações comerciais.

Mudanças no tabuleiro
Na análise da historiadora, a agenda da política externa brasileira sempre jogou considerando quatro tabuleiros: a multilateralidade da OMC, a negociação hemisférica da Alca, a integração regional do Mercosul e as relações com a Europa. “A diferença é que o governo Lula operou um certo esvaziamento de alguns tabuleiros, como aquele do hemisfério (Alca), com nosso apoio, e reforçou o tabuleiro da OMC e da integração regional”, avaliou. Fátima, em nome das campanhas que coordena, considera que foi acertada esta decisão, mas que é preciso problematizar a agenda da OMC, porque houve uma expectativa equivocada no movimento internacional. “O centro de interesse do governo brasileiro não mudou, ou seja, a liberalização do comércio agrícola”, falou.

As organizações sociais estão preocupadas, particularmente no final de abril e meados de maio, em que o acordo de Hong Kong não vá adiante. Segundo ela, o Brasil tem uma posição clara de fechar este acordo, porque aposta que este âmbito multilateral é melhor para o Brasil. “Nós consideramos que o conteúdo do acordo que sairá agora de Genebra é muito ruim e será muito prejudicial para o Brasil. Em nome de uma promessa vaga de eliminação de subsídios em 2013, o Brasil concordou com uma fórmula que vai resultar em desindustrialização do Brasil, em perda de empregos industriais e perda de capacidade de fazer política industrial”. Trata-se de uma tarifação menor para produtos industriais com alto valor agregado, em troca de acesso aos mercados desenvolvidos de produtos agrícolas. A princípio, a estratégia é de que, diante da resistência dos mercados ricos, o Brasil não tenha nada a perder. Mas caso haja as concessões, ela avalia que o prejuízo para o Brasil é certo.

Desenvolvimento regional
Muito embora o governo Lula tenha sinalizado uma série de medidas de reforço ao Mercosul, ainda há muito a ser feito. Ela considera que o Mercosul não pode ser pensado apenas como uma integração no âmbito comercial. Ou é uma integração com um projeto de desenvolvimento regional de maior fôlego ou então “não vai pra frente”. Não pode ser pensada apenas como uma área de maior liberalização do comércio, mas como um projeto maior de integração política, de desenvolvimento regional, de compartilhamento de valores sociais e trabalhistas.

Do ponto de vista da Alca, Fátima ressalta o modo como os norte-americanos estão conseguindo avançar sua agenda comercial com a aprovação de mini-Alcas (Kafta e acordos com vários países andinos). “É uma agenda que está paralisada apenas com relação ao Mercosul, mas que o Brasil não tem como competir na disputa pelos mercados da América Central, Colômbia e Caribe”, ressaltou. Diante disso, ela avalia que é preciso que o Brasil se prepare para entender que os acordos de comércio, nas condições em que estão sendo oferecidos pelos EUA e a UEE, não interessam ao desenvolvimento brasileiro. “Mas temos que buscar alternativas com o reforço do comércio na América do Sul e outros países do Sul. O caminho para nós é reforçar as relações Sul-Sul”, sugere.

Negociação participativa
Dentre as especificidades da formação da política externa do governo Lula, ela apontou avanços e diferenças importantes em relação aos governos anteriores. Segundo ela, o governo Lula se abriu mais para o debate e diálogo com as organizações da sociedade civil, movimentos sociais, Ongs e movimentos sindical, incluindo estas organizações nas mesas de negociações e dando acesso à informação sobre as negociações. “Foi um processo de formação das decisões mais permeável ao diálogo com a sociedade e aos diferentes interesses da sociedade brasileira. Isso tem que ser destacado, porque faz toda a diferença”. Em governos anteriores, segundo sua experiência, se escutava mais os setores empresariais, da grande agricultura comercial de exportação, sem consultar os trabalhadores e os agricultores familiares.

“Nem de longe”, as posições das entidades foram contempladas com a mesma ênfase que os setores majoritários na tomada de decisões. Mas a agenda e o conteúdo que o governo brasileiro levou aos distintos fóruns de negociação comercial refletiu mais os diferentes interesses, ainda que haja um peso maior na agenda de negociação para os interesses da grande agricultura de exportação, que define com maior ênfase a posição negociadora brasileira. “Mas hoje há um avanço no sentido de incluir os interesses da agricultura familiar, muito mais do que em outros governos”, falou.

Houve um momento importante em que a posição negociadora brasileira apareceu com força. A reunião ministerial da OMC em Cancún, em 2003, onde o Brasil liderou a formação do G20, com uma agenda fundada em dois grandes aspectos: o acesso aos mercados para as exportações da grande agricultura, uma agenda clássica brasileira, seguida de um outro pilar de proteção da agricultura familiar. Os termos eram: a defesa do desenvolvimento rural e dos meios de vida das populações. Havia um interesse de consolidar a aliança com a Índia, que tinha a defesa da agricultura familiar e do desenvolvimento rural como uma prioridade, mas também refletiu um peso que a agenda da agricultura familiar estava tentando ter na correlação de forças interna do governo. “Isso depois diminuiu, porque a grande agricultura de exportação é o sustentáculo da política econômica do governo. Mas temos que considerar que o jogo de forças internas foi o tempo todo tensionado por nós e outros setores do governo”, admitiu Fátima.

A historiadora lamentou os “ataques virulentos” promovidos pelo setor de agronegócios à suposta “ideologização” da política externa brasileira. Estes setores passaram a defender um deslocamento das decisões sobre comércio internacional para alguns ministérios em que tinham maior influência e não ao Itamaraty.

Tarefas
Há um ambiente novo para o comércio internacional. Cai a balela da retórica do “livre comércio”, na verdade altamente regulado para favorecer algumas nações. As teses do livre comércio que “nadavam de braçada” passam a ter seus benefícios questionados. Surgem os movimentos questionadores como o Fórum Social Mundial. “Torna-se um ambiente favorável para que os governos examinem alternativas, enquanto os movimentos sociais reexaminam suas tarefas”, apontou.

Apesar disso, a resistência dos movimentos sociais deve continuar. Com as “mini-Alcas” promovidas pelos EUA, o Mercosul torna-se cada vez mais isolado no hemisfério. Fátima defende os movimentos e o governo dialoguem com temas importantes para o comércio internacional que têm recebido pouca ênfase. “Precisamos dizer se somos a favor ou contra propostas governamentais como a integração energética entre Venezuela, Argentina e Brasil; ou a criação do Banco do Sul, que comandaria regionalmente os Bancos Centrais nacionais; ou políticas sociais e trabalhistas comuns; ou a concentração de poder político do Mercosul, por meio de um parlamento”, sinalizou.
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