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quarta-feira, setembro 20, 2006

Jornais ignoram pronunciamento de Lula na assembléia da ONU

Na abertura da 61ª Assembléia-Geral da ONU, presidente brasileiro disse que mundo só terá paz com um novo modelo de desenvolvimento global. "A fome alimenta a violência e o fanatismo", disse Lula. Maioria dos grandes jornais brasileiros decidiu ignorar fala presidencial.

Da Redação - Carta Maior

SÃO PAULO - Em discurso realizado ontem (19) na abertura da 61ª Assembléia-Geral das Nações Unidas, em Nova York, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva defendeu que o mundo não será seguro enquanto houver fome e miséria. “A fome alimenta a violência e o fanatismo", disse Lula, acrescentando: "O mundo de famintos nunca será um lugar seguro".Em sua fala, o presidente brasileiro defendeu a urgência de uma nova ordem mundial mais justa e democrática, que priorize o desenvolvimento social e econômico. A paz, acrescentou, só virá com um novo modelo de desenvolvimento compartilhado.

“Que não se iludam os países ricos, por mais fortes que hoje sejam, ninguém está seguro em um mundo de injustiças. A guerra jamais trará segurança, a guerra só gera monstros, o rancor, a intolerância, o fundamentalismo, a negação destrutiva das atuais hegemonias. É preciso dar razões aos pobres para viver, não para matar ou morrer”. Só haverá segurança no mundo se todos tiverem direito ao desenvolvimento econômico e social. Se não quisermos globalizar a guerra é preciso globalizar a justiça”, destacou o presidente.

A mídia brasileira praticamente ignorou a fala presidencial. A Folha de São Paulo dedicou exatas cinco linhas ao pronunciamento em um pé de matéria. Em Porto Alegre, Zero Hora publicou uma foto de Lula na ONU com o título "Apatia em Nova Iorque", sem mencionar o discurso. Na mesma linha, o Globo publicou uma foto de capa, sem destacar o conteúdo da fala do presidente brasileiro.

Publicamos a seguir a íntegra do pronunciamento de Lula na assembléia-geral das Nações Unidas:

O pronunciamento

Nova Iorque-Estados Unidos da América, 19 de setembro de 2006

Minhas senhoras e meus senhores,
Chefes de Estado e de Governo,
Senhora Sheika Haya Rashed Al-Khalifa, presidente da 61ª Assembléia Geral das Nações Unidas,S
enhor Kofi Annan, secretário-geral das Nações Unidas,
Senhoras e senhores integrantes das delegações.

Ao falar pela primeira vez desta tribuna, em 2003, afirmei a necessidade de agirmos com urgência para combater o flagelo da fome e da pobreza no mundo. É o que estamos fazendo no Brasil. Aliamos crescimento e estabilidade econômica a políticas de inclusão social.

O nível de vida dos brasileiros melhorou, cresceram o emprego e a renda, aumentou o poder de compra do salário mínimo. Nossos recursos são escassos, mas mesmo assim conseguimos resultados surpreendentes. O programa Bolsa Família, carro-chefe do Fome Zero, garante uma renda mínima a mais de 11 milhões de famílias brasileiras. Com boa alimentação, as pessoas recuperam sua dignidade, têm mais saúde, aprendem melhor.

Destinar recursos para a área social não é gasto, é investimento. Se fizemos tanto no Brasil, imaginem o que não poderia ser feito em escala global, se o combate à fome e à pobreza fossem, de fato, uma prioridade da comunidade internacional. Onde existe a fome não há esperança, há desolação e dor. A fome alimenta a violência e o fanatismo e um mundo de famintos nunca será um lugar seguro.

O gigantismo da tarefa não deve nos assustar, especialmente se não estamos sozinhos. Todos aqui sabem que cerca de 840 milhões de seres humanos, quase um em cada sete habitantes do Planeta, não têm o suficiente para comer. São necessários 50 bilhões de dólares adicionais por ano para atingir as Metas de Desenvolvimento do Milênio no prazo estipulado. A comunidade internacional pode fazer isso. Pensem, por exemplo, nas centenas de bilhões de dólares que foram investidos para levar adiante a plena integração dos países do Leste à União Européia. Pensem, também, nos custos das guerras e de outros conflitos.

Todos aqui também sabem que a segunda guerra do Golfo custou várias centenas de bilhões de dólares. Com muito menos poderíamos mudar a triste realidade de uma grande parcela da população mundial, poderíamos aliviar o sofrimento dessas pessoas, retirá-las da indigência e salvar milhões e milhões de vidas.

Que não se iludam os países ricos, por mais fortes que hoje sejam, pois ninguém está seguro num mundo de injustiças. A guerra jamais trará segurança, a guerra só gera monstros, rancor, a intolerância, o fundamentalismo, a negação destrutiva das atuais hegemonias. É preciso dar aos pobres razões para viver, não para matar ou morrer. A grandeza dos povos não está no belicismo, mas no humanismo. E não há verdadeiro humanismo sem o respeito ao outro, ao que é, sim, diferente de nós, mas nem por isso menos digno, menos precioso, nem por isso com menos direito à felicidade, criatura que somos do mesmo criador. Só haverá segurança no mundo se todos tiverem direito ao desenvolvimento econômico e social. O caminho da paz é o desenvolvimento compartilhado.

Se não quisermos globalizar a guerra, é preciso globalizar a justiça, por isso, digo com a serena convicção de um homem que dedicou a sua vida a lutar pacificamente pelos direitos do povo trabalhador: a busca de uma nova ordem mundial, mais democrática e justa, não interessa apenas aos países pobres ou às nações emergentes, interessa tanto ou mais aos países ricos, se tiverem olhos para ver e ouvidos para ouvir, se não cometerem o desatino de ignorar o terrível clamor dos excluídos.

Senhora presidente,
Avançamos nos últimos anos. No encontro de líderes mundiais, em 2004, demos impulso à ação contra a fome e a pobreza. Juntos conseguimos uma forte mobilização internacional em torno do tema. Nosso esforço coletivo começou a dar frutos. Estamos colocando em prática mecanismos inovadores como a contribuição solidária sobre passagens aéreas internacionais.
A fome e a doença são irmãs gêmeas. Por isso, nos engajamos junto com outros governos na criação de uma central internacional de compra de medicamentos contra a AIDS, a tuberculose e a malária. Essa iniciativa irá criar novas fontes de recursos e facilitar o acesso aos medicamentos a custos mais baixos. Não podemos fugir de nossas obrigações. Por isso, saúdo os líderes de visão que estão engajados nessa guerra, a guerra contra a degradação do ser humano e a falta de esperança, a única guerra na qual a vitória final será de toda a humanidade.

Senhora presidente,
A luta contra a fome e a pobreza passa também pela instauração de uma ordem mundial, que coloca o desenvolvimento econômico e social em primeiro plano. Soluções permanentes para a miséria só vão existir se os países mais pobres tiverem a oportunidade de progredir pelo seu próprio esforço. Desde que, livre e justo, o comércio internacional, será um valioso instrumento para gerar riqueza, distribuir renda e criar empregos.

É essencial nos libertarmos das amarras do protecionismo. Os subsídios dos países ricos, sobretudo na área agrícola, são pesados grilhões que imobilizam o progresso e relegam os países pobres ao atraso. Não me canso de repetir que enquanto o apoio distorcido dos países desenvolvidos alcança a indecorosa soma de 1 bilhão de dólares por dia, 900 milhões de pessoas sobrevivem com menos de 1 dólar por dia nos países pobres e em desenvolvimento.

Essa é uma situação política e moralmente insustentável. Pior do que a inação pela ignorância é a omissão pela conveniência. A velha geografia do comércio internacional precisa ser reformada em profundidade. O Brasil, juntamente com seus parceiros do G-20, está empenhado nessa tarefa.

A criação do G-20, na prática, mudou os padrões de negociações na Organização Mundial do Comércio. Até recentemente, os países em desenvolvimento tinham participação marginal nas negociações mais importantes. Eliminar as barreiras que travam o desenvolvimento dos países pobres é um dever ético para a comunidade internacional, e é também a melhor maneira de garantir prosperidade e segurança para todos.

Pela primeira vez na história do sistema GATT-OMC, a palavra desenvolvimento aparece no título de uma rodada de negociações comerciais, mas a agenda de desenvolvimento de Doha, que decidirá o futuro do Sistema Mundial de Comércio está em crise. Se bem-sucedidas, as negociações na OMC ajudarão a tirar milhões de pessoas da pobreza extrema.

Agricultores que não podem competir com os subsídios milionários, finalmente terão oportunidade de prosperar. Países pobres da África, que atualmente não exportam produtos agrícolas, poderão começar a fazê-lo. Se a Rodada fracassar, as conseqüências serão sentidas muito além da esfera comercial. A própria credibilidade do sistema da OMC ficará ameaçada, com repercussões negativas nos campos político e social. Males como o crime organizado, o narcotráfico e o terrorismo, encontrarão terreno fértil para proliferar. Tenho conclamado os líderes mundiais a assumirem a responsabilidade que lhes cabe. A importância dada a esse tema na última Cúpula do G-8 ainda não produziu resultado prático. Esta geração tem uma oportunidade única de mostrar ao mundo que os interesses egoístas não prevalecerão sobre o bem comum. A história não perdoará nossa omissão.

Senhora Presidente,
O comércio justo, assentado em bases sólidas, consensuais, e uma OMC transparente, sensível às necessidades dos países em desenvolvimento, constitui um dos pilares da nova ordem mundial que defendemos. Outro pilar no campo da paz e da segurança internacional é constituído pelas Nações Unidas. O Brasil é um firme defensor das organizações multilaterais como espaço de cooperação e diálogo. Não há modo mais efetivo de aproximar os estados, a manter a paz, proteger os direitos humanos, promover o desenvolvimento sustentável e construir soluções negociadas para os problemas comuns.

Conflitos como o do Oriente Médio vêm desafiando as autoridades das Nações Unidas. A recente crise no Líbano expôs a Organização a uma perigosa erosão de credibilidade. A eficácia das Nações Unidas tem sido seriamente questionada. O Conselho de Segurança é acusado de morosidade, incapacitado de agir com a rapidez requerida. A opinião pública mundial se mostra impaciente diante de dificuldades que custa a entender. A morte de civis inocentes, incluindo mulheres e crianças, choca a nossa sensibilidade.

No Brasil, milhões de árabes e israelitas convivem de maneira harmônica e integrada. O interesse do Brasil no Oriente Médio reflete assim uma realidade social objetiva e profunda no nosso País. O tema do Oriente Médio sempre foi tratado com exclusividade, além dos diretamente envolvidos pelas grandes potências. Até hoje não chegaram a uma solução. Cabe perguntar: não seria o momento de convocar uma ampla conferência sob a égide das Nações Unidas, com a participação de países de região e outros que poderiam contribuir, pela capacidade de experiência em conviver pacificamente com as diferenças? O Brasil acredita no diálogo.

Por isso realizamos a Cúpula América do Sul/Países Árabes, em 2005. Também mantemos boas relações com Israel, cujo nascimento, como Estado, ocorreu quando um brasileiro, Oswaldo Aranha, presidia a Assembléia Geral. Conflitos entre nações não se resolvem apenas com dinheiro e armas. Idéias, valores e sentimentos também têm seu lugar, sobretudo quando se fundam em experiências vividas.

Senhora Presidente,
Mais do que nunca as Nações Unidas precisa ver sua autoridade reforçada. Já tivemos avanços significativos com o processo de reforma administrativa e a criação do Conselho de Direitos Humanos e da Comissão de Construção da Paz. Mas a obra ficará incompleta sem mudanças no Conselho de Segurança, órgão encarregado de zelar pelos temas da paz. O Brasil, juntamente com os países do G-4, sustenta que a ampliação do Conselho deve contemplar o ingresso de países em desenvolvimento no seu quadro permanente. Isso tornaria o órgão mais democrático, legítimo e mais representativo. A grande maioria dos estados membros também concorda com essa visão e reconhece a urgência da matéria. Não podemos lidar com problemas novos, usando estruturas anacrônicas. Cedo ou tarde, senhora Presidente, deveremos todos abrir caminho à democratização das instâncias decisórias internacionais, como disse o Secretário-Geral. Nós andamos pelo mundo ensinando a democracia aos outros, chegou a hora de aplicá-la a nós mesmos e mostrar que existe representação efetiva nos fóruns políticos das Nações Unidas.
Senhora Presidente,

A América do Sul é uma prioridade da política externa brasileira. Nossa região é a nossa casa. Estamos expandindo o Mercosul e fortalecendo a Comunidade Sul-americana de Nações. O futuro do Brasil está vinculado ao de seus vizinhos. Uma América do Sul forte e unida contribuirá para a integração da América Latina e do Caribe.

Sentimo-nos também ligados por laços históricos e culturais ao continente africano. Por sermos a segunda maior população negra do mundo, estamos comprometidos a partilhar os desafios e os destinos da África, mas as questões regionais são parte da problemática global que enfrentamos.
O combate à fome e à pobreza, a paralisia da Rodada de Doha e o impasse no Oriente Médio, são temas interligados. Seu bom caminho exige confiança nas soluções negociadas. Nesse momento, essa confiança está abalada, por isso, é extremamente grave. A ordem mundial que nos cabe construir, deve basear-se no critério de justiça e respeito ao direito internacional. Só assim poderá haver paz, desenvolvimento e uma genuína convivência democrática na Comunidade de Nações.

Não nos faltam recursos. Falta determinação política para aplicá-los nas áreas que podem ter um incalculável efeito transformador.

Transformar o desespero em alegria e em razão de viver.

Muito obrigado".