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quarta-feira, março 29, 2006

Pesos e medidas

por Soninha

Procurei, ao acaso, uma edição antiga da Folha de São Paulo para ver como estava sendo tratada a suspeita de desvio de recursos para compra de votos.

No dia 19 de junho de 2005, o caderno Brasil trazia esses quatro “chapéus” (isto é, as chamadas das matérias):

Escândalo do "mensalão"/O acusador
Escândalo do "mensalão"/Publicidade
Escândalo do "mensalão"/CPI
Escândalo do "mensalão"/Imagem

No último sábado, a palavra “mensalão” continuava bombando. O caderno Brasil de 25 de março de 2006 estava assim:

Escândalo do "mensalão"/Palocci em apuros (3 vezes seguidas)
"Mensalão"/Impunidade
"Mensalão"/Dança da impunidade
Escândalo do "mensalão"/Palocci em apuros (de novo)

No domingo...

Escândalo do "mensalão"/Dança das cadeiras
Escândalo do "mensalão"/Hora das conclusões
Escândalo do "mensalão"/Palocci em apuros

Tá lá: mensalão, mensalão, mensalão.

A palavra que o ínclito Roberto Jefferson usou na famosa entrevista à Renata Lo Prete para descrever o que seria um pagamento a deputados da base aliada do governo do PT. O termo “colou” tanto que a Folha chegou a usar assim: “Escândalo do mensalão/ eleições 2006: Marta e Mercadante disputam prévia para o governo do estado”. O que uma coisa tem a ver com a outra? Ah, “é tudo coisa do PT”, não é mesmo? Pois até o Caixa 2 de um deputado do PFL, que nunca foi da base de apoio do PT (o PFL é oposição, aliado do PSDB) foi chamado de “mensalão” -- quando absolveram o Roberto Brandt, disseram que ele era “mensaleiro”.

Pois bem. No mesmo domingo, uma reportagem detalhadíssima revelou: “O governo Geraldo Alckmin (PSDB) direcionou recursos da Nossa Caixa para favorecer jornais, revistas e programas de rádio e televisão mantidos ou indicados por deputados da base aliada na Assembléia Legislativa”.
A afirmação não deixa margem para dúvidas: “direcionou recursos”. Não usaram o “supostamente”. Por que? Porque a reportagem revela em detalhes como isso era feito.

A principal fonte de informações foi um gerente da Nossa Caixa que participava da operação e foi demitido. Por não querer pagar o pato sozinho, ele dedurou o esquema. Lembra a atitude do Roberto Jefferson, não? Que, ao ver a sua casa cair depois da gravação de propina nos Correios, resolveu levar alguém com ele para o fundo do poço. Mas existem três diferenças cruciais:

1) Jefferson se beneficiou do desvio de verbas; o gerente demitido, não. Um perdeu uma “boquinha”; o outro perdeu o emprego.

2) Jefferson falou pelos cotovelos, mas não tinha provas de nada. O gerente tem e-mails provando o que diz, tintim por tintim.

3) Jefferson era presidente de um partido e vendia seu apoio (a vários governos, aliás). O gerente apenas seguia ordens superiores...

Os anúncios negociados em troca de apoio na Assembléia eram tratados, em código, como “lixão”. Alguns colunistas chegaram a destacar esse termo, muito sugestivo, mas a Folha não quis usá-lo para descrever o caso. E nem recorreu aos já consagrados “mensalão” e “mensalinho”, como poderia – afinal, não se trata de uma acusação de compra de votos da base aliada? E apesar de ter depoimentos mais confiáveis do que de Roberto Jefferson, de ter provas mais contundentes de conduta desonesta do governo do estado, “batizou” a matéria assim:

Eleições 2006/Publicidade suspeita

Nada de “escândalo”... Nada de “mensalão”... Apenas a menção comedida, discreta a “publicidade suspeita”. “Suspeita”? Olha o que diz a própria Folha: “Documentos mostram que órgãos ligados a deputados foram agraciados com propaganda da Nossa Caixa a mando do Palácio dos Bandeirantes”. “Documentos mostram”; “a mando do Palácio dos Bandeirantes”... Por que não “escândalo”; por que só “suspeita”? (Até essa formulação da frase, com o verbo na voz passiva, dá uma suavizada na informação... Dizer “foram agraciados” é menos contundente do que dizer “o governo estadual agraciou”. Ou “governo Alckmin”, “governo do PSDB”... Alguém duvida que a Folha diria “governo Lula” ou “governo do PT”?).

Enfim, parabéns ao Frederico Vasconcelos pela reportagem, repleta de acusações de irregularidades (é, tem contratos suspeitos, sem licitação; pagamentos por serviços não comprovados; uso de verba oficial para campanha eleitoral, etc.). Parabéns à Folha por ter publicado com o destaque merecido... Mas é lamentável o tratamento condescendente dado a esse ESCÂNDALO.

(Ah, e como o mordomo, isto é, o Assessor Especial de Comunicação do Alckmin pediu demissão e saiu do governo, fica tudo bem, ninguém vai perguntar ao governador: “Ele decidia tudo sozinho? O senhor nunca soube de nada?”).

PS1: Hoje, terça, na capa do UOL, a chamada está assim: “Nossa Caixa – PT tenta CPI, mas aliados de Alckmin barram”. Nem lixão, nem mensalão: a chamada é “Nossa Caixa”. Chega a ser cândido!

PS2: Hoje também: “O governador Geraldo Alckmin (SP) informou que houve um erro formal na contratação das agências de publicidade responsáveis pela repartição das verbas, mas que um funcionário já foi punido”. 1) “Erro formal” – pronto, agora definitivamente “tucanaram o mensalão”, como diria o Zé Simão. 2) “Um funcionário já foi punido” – sim, o gerente que perdeu o emprego e agora revela que as ordens vinham lá de cima! Será que o governador nem leu o jornal?

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